Ela trombou com ele de propósito. Sei disso porque passava ali na mesma rua, no mesmo passeio, e tinha uma visão privilegiada dela, e ele?, caminhava quase ao meu lado e eu a observava, linda, enquanto ele, eu percebia claramente com o rabo do olho que ele nem a olhava, completamente alheio àquela cena... e quanto aos dois, vinham em direções opostas e em pensamentos completamente diferentes, como já disse mais acima, ou acho que já devo ter dito, enfim... ela?, linda!, vestido azul, cabelos dourados, lisos, olhos cobiçosos de desejo. Por aquele sujeito?, credo!, me desculpem, que mal gosto... mas não estou fazendo este conto pra julgá-la, claro que não. Então, tentarei ser o mais imparcial possível, embora adianto que isso vai ser bem difícil, em se tratando dela linda e ele... ela pensava em arrumar um namorado... ele pensava na cerveja gelada que gelava lá na geladeira da casa (uma bagunça) onde morava sozinho. Era engenheiro, e não por isso, adorava ser solteiro, convicto. Gostava da liberdade que pra ela era sinônimo de uma solidão terrível. Ela era advogada e talvez por isso... (desculpe o pitaco de opinião), mas ela ia ao cinema, naquela tarde linda, não resistiu e por isso carregava aquelas sacolas com dois pares de sapatos que tinham que ser dela, ora bolas... embora ela tivesse exatos sessenta e sete pares de sapatos, e soubesse que não era uma centopéia (disso não estou tão certo que ela tinha assim tanta certeza). Mas quando ela o viu, caminhando em sua direção, ela viu um homem jovem, forte, bonito, bem vestido, aparentando ser rico (não que se importasse, mas melhor que fosse rico), (e esse homem, obviamente, não era eu, que embora também estivesse à sua frente, era completamente ignorado por ela) e ele?, nem reparava nela, isso é fato. Voltava dum buteco e ia pra casa, onde marcara com uns chegados pra chapar todas e curtir a bessa o time do coração. Tinha jogo na televisão. Ele pensava no seu time de futebol, e em como fariam pra sair da zona de rebaixamento... ela nem sabia o que era impedimento e também fazia outra ideia do que ele pensava. Achava que ele estava afim dela... tudo isso deu-se em questão de segundos... enquanto caminhávamos nós três: ele, ela e eu... no mesmo passeio, na mesma hora... e isto até quando os dois chegaram muito perto, lado a lado... eu me afastara pra ver melhor o desenrolar do episódio que quase pude prever... pois quando chegaram muito perto, lado a lado, quase frente a frente foi que ela percebeu que ele nem reparava nela e então ela decidiu, abruptamente, trombar ombro a ombro com ele (uma decisão bastante desesperada, diga-se por sinal). Daí ela continuou andando, tentando disfarçar, como se nada e deu três passos antes de olhar pra trás... pra ver a reação dele... mal ela sabia que ele nem perceberia aquela trombadinha besta, o que aconteceu, deveras. E na expectativa que ela fazia quando olhou pra trás, bem pensava que esse seria um ótimo início para um belo romance e já se via contando essa história para os filhos que teriam... como mamãe conheceu papai... porém ele, um pouco mais adiante, exclamava em pensamento, Putz!, com esse time?, será que vai dar?...
(do livro de contos “Interseções...”)
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
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