terça-feira, 18 de maio de 2010

Se houvesse Deus...

Quem seria aquele que pudesse ouvir tudo; ver tudo; sentir o cheiro, o gosto de tudo, absolutamente, no mesmo instante... quem seria? Como... agora, por exemplo... exatamente agora o Marcelo está discutindo com a sua tia, Fernanda, irmã da sua mãe. Isso porque o Marcelo não arrumou o quarto dele. Aquilo tá uma verdadeira bagunça! Mas tia... deixa tudo lá como está. Eu gosto assim ué! Não pode? Não pode não Marcelo! Isso é o mínimo que você tem que fazer. Mas tia, eu tenho que ir pra faculdade agora... minha aula já vai começar! Tudo bem Marcelo, tudo bem... a sua mãe me pediu pra cuidar bem de você, antes dela morrer com seu pai por causa daquele maldito acidente. No hospital, quando ela me chamou lá no quarto, foi pra pedir isso... Fernanda, cuida bem do Marcelo. Não deixa faltar nada pra ele... pode deixar minha irmã, mas não pense assim. Você vai melhorar e logo logo vai estar em casa de novo... eu sei que vou morrer. Fica bem e cuida do meu filho... a Fernanda não conseguiu dizer mais nada. Pensava que sua irmã, Raquel, não saberia viver sem o Antônio, seu marido, que dirigia o carro quando eles bateram num caminhão... e o Marcelo, vendo a tia triste, passa a mão no seu cabelo e diz que vai arrumar... mas, enquanto eles discutiam, no exato instante, o João Pedro apertava o botão chamando o elevador. Tinha pressa o João Pedro. Ia a uma entrevista de emprego. Já fazia muito que estava desempregado, desde sempre na verdade, embora antes não se considerasse assim. Sobrevivia com uns poucos trocados que recebia com o aluguel de um imóvel que ganhara como herança do seu querido avô. Seus pais não o ajudavam, antes o contrário. O pai vivia dizendo que era um vagabundo, que devia ter estudado medicina ao invés de arte. Arte? Isso não dá em nada, você vai morrer de fome! Mas é o que eu quero fazer, pai... Isso não dá futuro. Você vai trabalhar com o quê?... Vou continuar pintando... Essa porcaria que você faz? O João Pedro não tinha argumentos contra isso, a estupidez do seu pai. Quando entrou para a faculdade foi morar sozinho. Fazia uns bicos pra ganhar algum dinheiro e não desistia nunca. Continuava pintando por vocação; por necessidade... foi por essa época que seu avô lhe deixou em testamento dois imóveis; o apartamento, aonde ele foi morar e um outro, maior, que ele decidiu alugar. Mas aí o João Pedro conheceu a Natália, estavam namorando, pensando em casar e com o casamento ele sabia que precisaria de mais dinheiro e foi aí que ele decidiu procurar um emprego. Saiu de casa, apertou o botão do elevador, e enquanto esperava pensava em tudo isso... no mesmo instante quando numa outra cidade, longe dali, o Marcelo discutia com sua tia...

(Do livro de contos “Interseções”, a ser publicado.)

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